Tenho percebido e recebido alguns
questionamentos do tipo: “o cara precisa mesmo usar um black power com um pente
enfiado o tempo todo?”; “será que o negro precisa se afirmar o tempo todo?”;
“não se pode usar um visual normal e se afirmar como negro de outras
maneiras?”. Minha resposta vem de um exemplo um tanto infeliz, ocorrido em
julho de 2012, quanto uma menina negra de quatro anos, de Contagem teve a
escola e sala de aula invadidas por uma Senhora branca, que lhe apontou o dedo
e fez ofensas raciais diante de todos. Houve ai uma segunda violência por parte
da própria escola, ao tentar “abafar o caso”, compactuando com a violência
racial de nosso país, em nome de uma pacífica “democracia racial”. A despeito de que o sonho desta menina ser
modelo, imagino o quanto ela terá de se afirmar ao longo de sua vida que está
apenas no começo, e o quanto isso ficará marcado em sua trajetória.
A todos que questionam nossa
necessidade de afirmação pergunto: quantas vezes você não se referiu a um
“serviço de preto” como sendo algo malfeito? Quantas vezes você não atravessou
a rua, segurou firmemente sua bolsa ou protegeu seus bens, sob olhares
desconfiados sobre algum negro que passava pela rua?
Como negro me refiro a pretos e
pardos, esses mesmos que você sempre suspeita ao andar nas ruas, mas que é
comum vê-los como seguranças, porteiros, policiais, empregadas e etc., a zelar
pela manutenção e segurança material exatamente de seus opressores.
Mais uma pergunta atravessada na
garganta: por que o branco, alto, dos olhos azuis é sempre o padrão de beleza a
ser seguido, o tipo essencialmente bonito, forçando mesmo pessoas de pele
escura e olhos escuros a nele se enquadrarem? Será mesmo que só há um jeito de
se ser bonito? Até quando persistirão que o negro deve se enquadrar e ser
bonitos para o padrão dos brancos e para agradá-los não para os próprios
negros?
A estética eurocêntrica não é apenas
uma forma de padronização e enquadramento, exclusão e colonização a que somos
todos submetidos, brancos e negros. É também, mais um mecanismo que sucede
historicamente a outros: pensar o negro como inferior, menos inteligente;
genética superior do branco e embranquecimento do Brasil com a vinda de
imigrantes europeus; o brasileiro como um povo pacífico, feliz, festeiro e sem
memória de toda sua violência racial histórica; a falácia da igualdade na qual
estranhamente os brancos levam os bônus materiais e culturais edificado em
pesadíssimos ônus a todo o povo negro; o extermínio da população e
principalmente da juventude negra e pobre, pelas armas, drogas, miséria, fome,
abandono, encarceramento, exclusão material, cultural e moral de tudo e todos
os lugares sociais de privilégio.
O black power, as tranças,
dreads, nagôs, vestes, danças, musicas, comidas, religiões afro e capoeira, são
muito mais do que estética ou preservação da história ou de laços com a África.
Eles dizem daqui da diáspora, de como fomos e ainda somos tratados pela classe
branca dominante, pelo Estado brasileiro, pela economia.
Mas não dizem aquilo que o
opressor quer ouvir, aquelas histórias que satisfazem o ego do torturador
quando o torturado diz seu sofrimento, grita de dor. Ao que parece, nossa
sociedade adora dar colo e acariciar a quem sofre, ao coitado, mas não está
pronta para admitir seu papel de algoz, está pouco disposta a cessar as
torturas, extermínios e higienizações, e menos disposta ainda a partilhar suas
riquezas e seus espaços de poder e protagonismo social e político com a
população negra, como universidades e cargos decisórios e dirigentes.
Nosso visual extravagante, nossa
persistência física e cultural, nossa presença negra e a remanecencia de nossos
traços impregnando tudo a que chamamos de Brasil dizem de nossa resistência, do
sorriso escandaloso que nem mesmo as mais pesadas torturas arrancaram do povo
negro, de nossa beleza surrada, suada, sangrada, sem maquiagem e hipnoticamente
linda, de nossas cabeças erguidas em nossas lutas diárias, por que mesmo após
386 anos de escravidão, nós ainda somos de corpo, alma e cultura, todos transbordados
de festa.
Alysson Armondes da Costa
muito bom, o texto adorei.
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