quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Meu Cabelo Duro é Atitude!


Tenho percebido e recebido alguns questionamentos do tipo: “o cara precisa mesmo usar um black power com um pente enfiado o tempo todo?”; “será que o negro precisa se afirmar o tempo todo?”; “não se pode usar um visual normal e se afirmar como negro de outras maneiras?”. Minha resposta vem de um exemplo um tanto infeliz, ocorrido em julho de 2012, quanto uma menina negra de quatro anos, de Contagem teve a escola e sala de aula invadidas por uma Senhora branca, que lhe apontou o dedo e fez ofensas raciais diante de todos. Houve ai uma segunda violência por parte da própria escola, ao tentar “abafar o caso”, compactuando com a violência racial de nosso país, em nome de uma pacífica “democracia racial”.  A despeito de que o sonho desta menina ser modelo, imagino o quanto ela terá de se afirmar ao longo de sua vida que está apenas no começo, e o quanto isso ficará marcado em sua trajetória.
A todos que questionam nossa necessidade de afirmação pergunto: quantas vezes você não se referiu a um “serviço de preto” como sendo algo malfeito? Quantas vezes você não atravessou a rua, segurou firmemente sua bolsa ou protegeu seus bens, sob olhares desconfiados sobre algum negro que passava pela rua?
Como negro me refiro a pretos e pardos, esses mesmos que você sempre suspeita ao andar nas ruas, mas que é comum vê-los como seguranças, porteiros, policiais, empregadas e etc., a zelar pela manutenção e segurança material exatamente de seus opressores.
Mais uma pergunta atravessada na garganta: por que o branco, alto, dos olhos azuis é sempre o padrão de beleza a ser seguido, o tipo essencialmente bonito, forçando mesmo pessoas de pele escura e olhos escuros a nele se enquadrarem? Será mesmo que só há um jeito de se ser bonito? Até quando persistirão que o negro deve se enquadrar e ser bonitos para o padrão dos brancos e para agradá-los não para os próprios negros?
A estética eurocêntrica não é apenas uma forma de padronização e enquadramento, exclusão e colonização a que somos todos submetidos, brancos e negros. É também, mais um mecanismo que sucede historicamente a outros: pensar o negro como inferior, menos inteligente; genética superior do branco e embranquecimento do Brasil com a vinda de imigrantes europeus; o brasileiro como um povo pacífico, feliz, festeiro e sem memória de toda sua violência racial histórica; a falácia da igualdade na qual estranhamente os brancos levam os bônus materiais e culturais edificado em pesadíssimos ônus a todo o povo negro; o extermínio da população e principalmente da juventude negra e pobre, pelas armas, drogas, miséria, fome, abandono, encarceramento, exclusão material, cultural e moral de tudo e todos os lugares sociais de privilégio.
O black power, as tranças, dreads, nagôs, vestes, danças, musicas, comidas, religiões afro e capoeira, são muito mais do que estética ou preservação da história ou de laços com a África. Eles dizem daqui da diáspora, de como fomos e ainda somos tratados pela classe branca dominante, pelo Estado brasileiro, pela economia.
Mas não dizem aquilo que o opressor quer ouvir, aquelas histórias que satisfazem o ego do torturador quando o torturado diz seu sofrimento, grita de dor. Ao que parece, nossa sociedade adora dar colo e acariciar a quem sofre, ao coitado, mas não está pronta para admitir seu papel de algoz, está pouco disposta a cessar as torturas, extermínios e higienizações, e menos disposta ainda a partilhar suas riquezas e seus espaços de poder e protagonismo social e político com a população negra, como universidades e cargos decisórios e dirigentes.
Nosso visual extravagante, nossa persistência física e cultural, nossa presença negra e a remanecencia de nossos traços impregnando tudo a que chamamos de Brasil dizem de nossa resistência, do sorriso escandaloso que nem mesmo as mais pesadas torturas arrancaram do povo negro, de nossa beleza surrada, suada, sangrada, sem maquiagem e hipnoticamente linda, de nossas cabeças erguidas em nossas lutas diárias, por que mesmo após 386 anos de escravidão, nós ainda somos de corpo, alma e cultura,  todos transbordados de festa.



Alysson Armondes da Costa

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